11 maio, 2013

Séries (II)

[série escrita originalmente para o Facebook]

Euanimal
[segunda parte]


Transito nessas ruas desde muito. As velhas debulham milho, lágrimas, pérolas falsas. Eu não as ajudo e elas não me olham, ou não me percebem. Eu prossigo. Sou estrangeira, repito para mim mesma.

[Fotografia de autor não identificado]






Me duplico. Estou no trem que passa e na linha de aço estendida entre dois prédios. Me duplico novamente. Meus sapatos maculam a poça d'água enquanto bebo um whisky duplo com o amigo morto. Desaprendo-me continuamente.

[Fotografia de Dianne Arbus]




 
Faço listas: balas coloridas, barbante azul, absorventes higiênicos. Os carros rugem em algum lugar. Escuto-os, distantes. Têm longos dentes, garras, escamas prateadas. Não sou uma mulher. Sou uma asa.

[ Fotografia de autor não identificado]



Tenho muitos nomes. Quando um se desgasta, utilizo outro. Sob um desses nomes amei um homem, sob esse mesmo nome amei um pássaro. O homem e o pássaro foram belos e fugazes. E o mar devora a carne das baleias com uma fome que é minha.

[Imagem:The Chocolat Donut, Fred Einaud]





Um leve desequilíbrio. As ruas são de pedras irregulares. Fecho um olho e sou a Lua. Abro os olhos e sou o Sol. Meu vestido esvoaça e acho muito justo que o vento me saúde. Tenho ânsias de rever a velha sereia de cabelos azuis, mas esta cidade me contamina.

  [Fotografia de autor não identificado]




Dói-me o pé esquerdo. É uma dor indefinida. Da última vez em que ocorreu, despi-me dessa pele e me cobri com os pelos de um animal pequeno e sagaz. Ontem um avião riscou o céu e lembrei do vizinho que morreu na guerra. Dele ficou um ruído que me acompanha, um beijo, talvez. E aquela janela me convoca à invisibilidade. 

[Fotografia de autor não conhecido]










Eu imagino. E transito por aquilo que crio. E não passo disso, de uma criação de mim mesma e da passagem que empreendo. Assim como a chuva, o caderno vermelho, a voz que, atravessando o espelho, me quebra em mil pedaços. Talvez por isso eu não tenha nenhum parentesco comigo. Nenhum laço. Talvez por isso eu consiga andar por sobre o muro de cacos sem que nenhum risque minha pele. Eu imagino. E transito pelo que crio.
[ Fotografia sem autor identificado]


Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

Eu gosto muito das máscaras de gato, porque eu tenho muitos gatos. Ontem eu comprei um novo arranhador para gato, porque o antigo quebrou.